Cancioneiro guasca
Um noivado no Rincão do Buraco

(Camaquã)

Faz tempos que recebi
Um bilhetinho do Bento
Pelo qual me convidava
Para ir a um casamento.

No bilhete me dizia:
"Quem se casa é o Vicente
Co'uma moça bonita
E filha de boa gente."

E inda mais ele escrevia:
"Se tua égua está sã,
Vem cedo, qu'inda hoje mesmo,
Bandeamos o Camaquã."

Chegando o dia marcado
Partimos, sem mais demora.
À tarde lá estivemos:
Chegamos pela uma hora.

De chegada vi a noiva
E conversamos um naco...
Era a mais bela flor
Lá do Rincão do Buraco!

Fomos p'ra mesa, jantar;
Depois, um moço a meu lado,
Pediu-me fizesse um brinde
Oferecido ao noivado.

Peguei no copo, acanhado
- Confesso de coração -
E disse: - Viva o noivado
E a bela reunião!

Em seguida, para a noiva,
Dirigiu-se o meu vizinho
E disse: - Mana Mercedes,
Faz também o teu versinho!

Coradinha ela ficou
E sorrindo p'r'o namorado
Com jeito e com voz bonita,
Agradeceu p'r'o meu lado:

"Viva o Vicente, meu noivo,
Viva o meu noivo Vicente!
Viva a gente do Buraco,
Viva o Buraco da gente."

Numa garrafa arrolhada
Pega um velho desastrado
E pondo-a na boca gritou:
"Este buraco é tapado!"

Este brinde fez um outro
(Por apelido Papaco)
"Quem quiser boa mulher
Procure só no Buraco!"

Ainda outro, mui sério
Comendo cocadas, diz:
"Quem se casa no Buraco
Faz o Buraco feliz."

Diz uma velha risonha
Ao noivo e noiva brindando:
"Não se esqueçam do Buraco
Vão no Buraco ficando!..."

Ao noivo tocou a vez
Tirou a viola do saco
Dizendo: - "Mulher, te juro,
Não saio mais do Buraco!"

"Hei de dormir no Buraco,
No Buraco, trabalhar;
Já que te achei no Buraco,
No Buraco te hei de amar"!



Depois de sair da mesa
Os convivas, conversando,
Os bens que a noiva possuía,
Estiveram me contando:

"Esta moça que casou-se,
- Diz um, pitador de naco -
Tem boa data de matos
Aqui no Rincão do Buraco."

Informa outro: "a menina
Tem suas prendas, seu gado,
Quem vê de fora o Buraco
Calcula de um modo errado."



Gostei das simplicidades
E nunca dei o cavaco
Nessa festa que assisti
Lá no Rincão do Buraco.

J. R. P. - 1896

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