Cancioneiro guasca
Os vizinhos

- Ó! de casa! se ouviu lá no terreiro
E a voz se conheceu do Zacarias,
E um negrinho foi presto recebê-lo
Por mandado do vcelho Malaquias.

Malaquias puxou do fumo em rama
E mui destro picou com o facão
E na boca cruzando imensa palha
Ao negrinho gritou por um tição.

E saindo da varanda para a sala
Veio vindo, chupando um chimarrão,
Depois, tirando a bomba dentre os dentes
Ao Zacarias deu a forte mão.

- Boa tarde, compadre Zacarias!
Caramba! há tempo que não o vejo!
A comadre Anacleta como vai?
Disseram-me que anda com desejo?...

- Qual desejo!... A mulher anda doente...
Inda mais, acontece-me esta espiga:
Pois botando os terneiros no chiqueiro,
Levou uma cabeçada na barriga!

- Deve dar-lhe os sucos de urtiga,
É remédio mui bom, e logo sara.
Ou senão um chá de erva-de-bicho.
É o mesmo que água fria na fervura.

Ou ainda o compadre dê seguido
Raiz de vassourinha feito mate;
É receita que deu-me um gringo velho,
Um pouco meio ladrão, meio mascate.

Me dizia esse gringo que te falo
Em linguagem virada, p'ra explicar:
Piliate due o tre raice vassurin,
I botate a lo mate, p'ra tumar! -


- Vou mandar a Chinoca fazer isso
Para ver se lhe tira mais as dores.
E então, Malaquias: e as carreiras?
Quem ganhou? O velho Chico Flores?

- Não Sr., foi o Lopes do Cerrito,
O dono do cavalo marchador,
Pois o zaino do Flores sempre foi,
Na minha opinião, um estupor. -

- Compadre, não diga tal asneira!
Não é por eu nele ter jogado...
Agradeçam mais bem ao corredor
Por correr o cavalo em mau estado!...

- O que sei dizer - é que perdeu!
De paleta... fiador... eu nem sei bem...
E perdi na carreira cem mil réis
Mas noutra não me pega mais ninguém.



- Conversando um bocado em cada coisa:
Então, que tal vais de plantação?
Aqui me disseram que a lagarta
Te fez um grande estrago no feijão?...

- Qual lagarta, compadre, ou lagartixa!
Eu já tinha o feijão todo empilhado:
Apodreceu-me a metade quase toda
Co'a chuvarada, sim, do mês passado.

- Ah! compadre! antes que m'esqueça:
Se vires minha égua douradilha
Manda o negrinho levá-la lá p'ra casa
Pois vou acolherá-la co'a tordilha.

E também se topares aí no campo
Aquele meu torito jaguané
Me avisa, que quero segurá-lo
Pois vendi-o p'ra viúva do André.

Não sei se conheces este touro?
Já tem uns dois repasses na carreta
Foi marcado no verão passado
Tem um J e um S na paleta.

E com esta me vou. Adeus, amigo!
Vou dar o remédio p'ra mulher.
Manda sempre neste amigo velho,
Sempre o mesmo Zacarias Xavier.

J. R. P.

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