Casos do Romualdo
A rede

Havia três dias já, perseguíamos uma manada de cervos galheiros. Éramos vinte e tantos caçadores, com numerosa e especial cachorrada; a caçada ia bem dirigida por um sujeito muito prático. Como cada companheiro tinha de ficar na sua "espera" determinada, esse já se precatava com o aviamento necessário para passar o dia e a noite no mato. Tal havia que levava cama de vento, panela, louça, etc. Eu, que sou inimigo de bagagem pesada, montava em pêlo no meu cavalinho baio, o Gemada, e além das armas apenas levava uma rede, e mesmo assim, pequena, e os jornais da última semana. Na "espera" punha o Gemada à soga, fazia um foguinho e armava a rede nos galhos de qualquer árvore e... pronto! ... dormia regaladamente até o despertador bater.

Pois nessa tal caçada tive de mudar de "espera", por motivo de doença dum dos companheiros. Foi já à boca da noite, O dirigente da batida procurou-me, explicou o caso e pediu-me para ir o quanto antes, porque o lugar aquele, era certo de passagem do cervo, talvez até paradouro seu.

Lá fui; dei com a "espera"; fiz o meu foguinho, amarrei o Gemada, e procurei uma árvore de ramas próprias para armar a rede. Fui de sorte: topei logo com uma galharada limpa, pontuda, cortada de jeito para o caso. Naturalmente fora o companheiro que preparara aquele ótimo cabide... Armei a rede, deitei-me, li os telegramas, soprei a vela e ferrei no sono.

Pela manhã... não lhes conto nada! Qual a minha surpresa, quando acordei-me abaixo de latidos e gritaria de ensurdecer!

Abro os olhos e vejo os companheiros, todos, em perseguição dum enorme cervo, um galheiro soberbíssimo, um cervo... o cervo que me conduzia!

Compreendi tudo, de relance: na véspera, no escuro, eu armara a rede nos galhos do cervo, que muito cansado da correria do dia, dormia a sono solto, e nem me pressentiu.

De madrugada, já refeito, levantou-se e foi andando, andando comigo na rede, dependurada nos chifres...

Quando a cachorrada farejou-o e saiu-lhe, o bicho disparou.., e os caçadores de atrás; porém como ele corria muito, nunca as balas chegaram-lhe a tempo... e foi isso a minha salvação. Então, gritei aos companheiros que esperassem... e pondo-me em pé, dentro da rede, saquei a faca e desnuquei o cervo, que caiu, redondo!

Casos do Romualdo       Volta ao início da página