Cancioneiro guasca
Antigas danças

(Resumido de J. Cezimbra Jacques)

"Os antigos habitantes deste território usavam de danças próprias ou, para melhor dizer, sui generis, que pelos seus traços parecem haver resultado de uma combinação das danças dos primitivos paulistas, mineiros e lagunenses, com as danças dos açoritas e dos indígenas, mais a meia-canha e o pericon, danças que se usavam nas repúblicas do Prata, especialmente em Corrientes, Entre-Rios e Estado Oriental.

A razão que nos leva a assim supor é que nessas danças se nota não só os sapateados dos antigos povoadores da província, de origem pportuguesa, como também certos meneios e passados de mão entre a dama e o cavalheiro na meia-canha e no pericon, acontecendo que muitas delas têm nomes indígenas. Eram estas danças variadas e tomando as denominações de - tirana, anu, tatu, cará, feliz-amor, balaio, xará, chimarrita, chico, ribada, cerra-baile, galinha morta, quero-mana, serrana, dandão, sabão, bambaquerê, pinheiro, pagará, pega-fogo, recortada, retorcida e outras.

Estas danças, apesar de serem um tanto toscas, apresentavam certos meneios delicados, revestidos de muita graça e estavam longe de assemelhar-se às danças grosseiras e de umbigadas dos sertanejos do norte do Brasil.

Os bailes em que eram elas dançadas denominavam-se fandangos, os quais, nos primeiros tempos, devido talvez à falta de música na província, ou mesmo pelas suas belezas em harmonia com aquelas épocas, construíam os divertimentos dos salões das altas classes (antigos estancieiros); descendo até as senzalas dos peões, que mais tarde com suas chinas eram os únicos apologistas dessas danças, cujos vestígios ainda se encontram na região serrana e na Serra Geral.

Entre as altas classes o fandango, que até pelos anos de 1839 e 1840 ainda era muito usado, foi sendo substituído pelas danças vindas da Europa.

As danças do fandango, apesar de serem bastante limitadas, não deixavam, no entanto, de manifestar muitos traços da estética e uma tendência inicial para a civilização de um povo que lutava com os seus próprios esforços, achando-se, por assim dizer, isolado do mundo polido.

Cada uma dança do fandango tinha duas músicas correspondentes, que eram tocadas na viola: uma servia para dançar-se e outra para cantar-se nos pequenos intervalos que havia no decurso da dança.

Com a viola também se faziam os cantos do desafio.

Nas sapateadas do fandango havia certos puxados de pé, cuja execução dependia de uma ginástica bem difícil, pois que cerravam todos a um tempo a sapateada, batiam com o salto do botim ou com a roseta da espora sem interromper a dança e no mesmo tempo faziam o puxado. Quando algum dos dançantes erravam, o que era motivo de risos, o cantador atirava-lhe logo esta quadrinha:

- Meu senhor que está dançando,
me queira, pois, dispensar,
se o pelego for de venda,
me traga quero comprar.
e, reincindindo, esta outra ou semelhante:
- Já tenho a ramada cheia
de pelegos enrolados:
nunca vi tanto pelego
assim e tão mal tirados.

Para dançar, formavam os cavalheiros com seus pares uma grande roda; as senhoras não sapateavam, se limitando a imprimir ao corpo certos meneios assistidos de castanholas, como nas fieiras atuais, fazendo a tudo isto frente aos seus pares ou aos cavalheiros que na roda lhes ficavam ao lado. Eram então as danças em ordem e debaixo de marcas como nas quadrilhas atuais e começavam assim: depois da roda feita no anu, por exemplo, dizia o marcante - roda grande - a esta voz todos se davam as mãos; o marcante: - tudo cerra! - e, a um tempo, de mãos dadas, cerravam a sapateada; à voz de - cadena! - faziam os dançantes mão direita de dama, como na quadrilha. Então cantava o tocador de viola (duas, três quadras):

O anu é pássaro preto,
passarinho de verão;
quando cant'à meia-noite
dá uma dor no coração...

Folga, folga, minha gente,
que uma noite não é nada.
Se não dormires agora,
dormirás de madrugada!

Durante o canto cada cavalheiro tomava a mão de sua dama e passava-lhe o braço por cima da cabeça como na meia-canha e no pericon, e assim dispostos cumprimentavam-se com a cabeça, mutuamente. Começando em seguida de tudo isto, a roda grande cessava logo, e dizia o par marcante: - olha o dois! - o que todos executavam batendo palmas e dando uma sapateada harmônica para um lado e em seguida para outro; e a estas seguiam-se muitas outras marcas, como: três, seguido, olha o bicho, um bichinho, cerra a trava, cerra e manca, tudo cerra, furta par, tira espinho, sobre cincha; - e todas estas marcas eram repetidas à voz de - outra vez que ainda não vi. - A seguir ai verso do cantador alguns faziam o estribilho seguinte:

- Anda a roda,
o tatu é teu;
voltinha no meio,
o tatu é meu!

Tais eram as danças singelas que serviam de divertimento às almas nobres dos nossos antepassados, que ainda no berço embalavam esta província tão rica de glórias e tradições honrosas.

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